O Poder de Desaprender

Desaprender pode ser muito útil quando nos conscientizamos de que nem tudo que presenciamos ou acreditamos faz sentido, tanto para nós, quanto para as pessoas do nosso entorno.


Por exemplo, talvez você tenha aprendido a não contrariar as pessoas e guardar para si opiniões e percepções. Mas esse aprendizado, além de impróprio, não lhe deixa ter resultados, pois uma das premissas da alta performance é sempre questionar. E não há como questionar sem contrariar pontos de vista divergentes.


Portanto, uma das coisas que terá que fazer é desaprender o que sabia sobre contrariar. Mas isso pode ser muito difícil, já que toda a sua compreensão de mundo está fundamentada em pequenos aprendizados. Uma espécie de construção em que cada aprendizado representa um tijolo.


A boa notícia é que, diferentemente do que ocorre numa construção convencional, nosso cérebro permite a “troca” desse tijolo sem comprometer a estrutura e solidez geral do empreendimento. A partir disso, todas as interrelações entre ideias e conceitos sofrerão atualizações e, por conseguinte, influenciarão seus resultados.


Para aprendermos a desaprender, precisamos entender, como funciona o processo de aprendizado. O ser humano aprende, basicamente, de três formas: repetição, relação e reflexão.

Repetição

A repetição consiste no processo de observar a execução de determinada tarefa e imitá-la. Quanto mais se repete, mais se aprende. A repetição é a mãe da aprendizagem. É através da repetição que memorizamos e colocamos uma nova habilidade em nosso “piloto automático”.


Esse é o caminho para transformar uma competência consciente em inconsciente. É assim que criamos novos hábitos e conquistamos a meta da aprendizagem que é tornar novas habilidades habituais e automáticas.


Entretanto, a repetição pode ser perigosa, pois ao nos concentrarmos em repetir, podemos deixar de questionar se o que estamos repetindo é útil ou não. Quantas pessoas você conhece que fizeram as mesmas coisas durante toda a vida e não conseguiram avançar?


Isso acontece porque nosso cérebro trabalha por recompensas e adora estabilidade. Concluir um ciclo de repetições, executando-o com perfeição, basta para que nosso cérebro se sinta recompensado.


Porém, a sensação de recompensa não garante resultados, ao contrário, quase sempre garante acomodação e insucesso. Então, a menos que você almeje tornar-se um exímio repetidor, repetir determinados comportamentos e aprendizados não vai leva-lo ao êxito. A partir desse entendimento, questione-se: quais comportamentos e atitudes convêm deixar de repetir para atingir meus propósitos?

"Repetição sem progressão é ilusão. Não vicie seu cérebro em repetir, mas em progredir."

Relação

Outra forma de aprender é fazendo relações entre ideias. De acordo com David Hume[1], ideias e pensamentos associam-se involuntariamente entre si através de princípios de conexão, constituindo diversas cadeias de pensamento, as quais são trocadas pelas pessoas de modo sonoro através de frases, palavras, diálogos, textos, ciência, etc. A partir dessas trocas aprendemos e ensinamos algo.


Ou seja, a partir de conhecimentos já assentados em nós, podemos construir novas relações com outros conhecimentos fora de nós. A imagem abaixo ilustra essa forma de aprender.

O principal perigo dessa forma de construir aprendizado é incorrer em associações falhas e produzir mais rótulos do que conhecimentos. Isso acontece porque nossa estrutura psíquica não consegue trabalhar com indefinições e atribui significados próprios ao desconhecido. Ou seja, algo nos chama atenção e começamos a lhe atribuir um conjunto de impressões, por vezes, absurdas.


Até pouco tempo eu não entendia “situação do imóvel” como sua localização geográfica, acreditava ser algo ligado ao seu estado de conservação e manutenção. Para evitar esse tipo de engano, surge a terceira forma de aprender, a reflexão.

Reflexão

Através da reflexão, podemos recuar e considerar o que aprendemos, como aprendemos e como aplicar o conhecimento às experiências de aprendizagem futuras. À medida que refletimos regularmente, começamos a identificar padrões na forma como aprendemos. Estas informações podem ser usadas para desenvolver estruturas pessoais de aprendizagem e tornarmo-nos melhores aprendizes.


Para desaprender, os processos utilizados serão os mesmos, porém alguns ajustes serão necessários.


Imagine que todos os dias você presencia um motorista de ônibus que tem por hábito passar direto por algumas paradas, pois acredita estar atrasado em seu itinerário. Será que pedir para ele mudar de comportamento o fará mudar? Como mudar a forma desse motorista conduzir seu trabalho?


Uma maneira é ajudá-lo a encontrar formas mais eficientes de atingir seus objetivos. Talvez o verdadeiro motivo de não parar em alguns pontos seja o medo de ser repreendido por seu chefe. Nesse sentido, bastará esclarecer a situação do atraso com argumentos convincentes e construir uma solução melhor em conjunto com a chefia.


Portanto, quando estamos aptos a desaprender alguma coisa, estamos aptos a entender quais relações guardam com seu contexto e suas possíveis consequências. Tomar consciência sobre essas relações cria a capacidade de identificar oportunidades, cria poder!


Nesse exemplo, foi por meio das relações e reflexões que se desaprendeu. Didaticamente, separamos as formas de aprendizado, mas vale lembrar que elas acontecem em conjunto, simultaneamente ou não. O importante é reconhecê-las e, a partir disso, criar oportunidades de melhoria.

"Na vida prática, adquire-se conhecimento fazendo e mudando constantemente a forma de fazer."

Devemos dar ênfase ao que gera resultado e excluir o que atrapalha. Muitas vezes, não queremos excluir de nossa vida comportamentos danosos por apego emocional. Saiba que o apego a certos pensamentos e comportamentos podem e devem ser mudados de forma consciente e arbitrária.


Para isso, basta conscientizar-se sobre seus comportamentos e pensamentos danosos. Uma das formas de fazer isso é questionar-se com humildade. Vou dar um exemplo pessoal sobre isso.


Por muito tempo acreditei ser prejudicado por muitas pessoas. Sabe quando acreditamos que Deus é ruim ou que todos têm inveja de nossas conquistas? Então, eu também pensava assim.


Certo dia, depois de um bloqueio judicial em minha conta por causa de uma dívida de mais de R$ 1.000.000,00, revoltei-me. Culpei a Deus e a todo mundo por aquilo. Mas tão logo voltei ao meu estado de juízo, pensei: se eu tive competência de fazer essa dívida, eu também tenho competência de gerar a mesma quantia em lucros.


Deixei de dar atenção a revolta e perguntei a mim mesmo: o que eu ainda não sei que eu deveria saber para não sentir o que estou sentindo e mudar minha realidade? Tão logo fiz isso, uma voz ecoou na minha cabeça: entenda que os números são apenas números. Não importa o quanto eles sejam grandes ou pequenos, eles têm o tamanho e importância que você der a eles. Foi como se me sentisse acolhido por mim mesmo, o sentimento de revolta cessou.


No fundo, nos tornamos viciados em nossos estados emocionais. É incrível como o cérebro é capaz de nos “acostumar” a tudo e fazer disso uma estratégia de sobrevivência. Revoltar-se constantemente também é um vício.


Quando repetimos determinados comportamentos, nos tornamos viciados neles. Não no ato de repetir, mas na falsa sensação de estabilidade produzida pela repetição. Essa sensação recompensa o cérebro com a mesma intensidade e qualidade de uma conquista.


É difícil nos livrar de certos estados emocionais, já que nosso cérebro cumpre com maestria a função pela qual foi criado e nos faz repetir os mesmos caminhos por julgá-los mais rápidos, fáceis e seguros.


Além disso, há a questão da autoimagem. Tentamos proteger a ideia que temos de nós mesmos a todo custo, e desaprender pode significar, em algum nível, atacar essa auto ideia.


Uma das formas de identificar o domínio sobre o poder de desaprender é o reconhecimento de uma nova mentalidade. Uma mentalidade mais flexível, disposta a conectar-se com outras percepções de mundo.


Outra forma é a leveza, produtividade e felicidade proporcionada pelo abandono da ideia de ostentar o controle sobre a verdade. Não sabemos de tudo. Aliás, essa constatação é maravilhosa e nos torna aptos a aprender mais e sempre.


É claro que eu tive que lidar com a dívida e suas consequências, mas reduzir seu impacto emocional salvou-me de mim mesmo. Ao desaprender a revoltar-me conquistei outro poder: autorresponsabilidade.


Grande Abraço!

Trecho do livro "Os Poderes que Você Não Sabe que Tem" ₢ Cristofer Leone - em produção @2023

Referências:

[1] Investigação sobre o Entendimento Humano (1748)

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